#22. Aonde o aquarismo dói no bolso
Como a gente se defende das loucuras das cotações do dólar
Quando decidi compartilhar conteúdo com o objetivo de desmistificar o aquarismo, um dos meus alvos era a questão do preço. Já ouvi de muitas pessoas : “acho aquário uma coisa linda, mas é muito caro”. O custo inicial de um bom aquário realmente não é pouca coisa, mas uma vez montado o gasto é bem tranquilo. Ao longo do tempo, vi isso oscilar bastante, mas não se compara por exemplo com o custo de ter outros animais de estimação - embora muitos aleguem que não dá pra comparar peixes com outros bichos em função da interatividade (ou falta de). No caso de cachorros e gatos, assumindo que seriam animais doados (vira-latas ou filhotes de amigos), ainda assim existe um custo inicial com veterinário, além da despesa constante com alimentação, vacinas, etc. Eu inclusive fiz um episódio só sobre isso no ano passado. Mesmo assim, esse mito tem lá uma razão de ser, em função da quantidade de itens importados nos dias de hoje.
Eu queria evitar, mas não tem jeito: vou levantar a plaquinha de “antigamente não era assim”. Antigamente não era assim. :D Nos meus primeiros anos de aquarismo, esse era o cenário: aquários feitos por especialistas ou pelas próprias lojas, os filtros eram simples, indústria nacional, movidos a compressores de ar também fabricados por aqui. Iluminação era uma calha de alumínio ou madeira, sem firulas, usando lâmpadas incandescentes ou fluorescentes comuns (T8). Usávamos cascalho de rio ou areia (alguns usavam uma camada de húmus de minhoca por baixo). As rações, testes e condicionadores disponíveis eram todos fabricados aqui. Os peixes vinham de pisciculturas daqui do Brasil, salvo algumas espécies capturadas (como neons cardinais, cascudos, otocinclus, mandis, mocinhas, etc). Plantas todas cultivadas ou coletadas por aqui. Nossa economia era hiperinflacionária, mas ao menos no aquarismo não havia impacto da globalização.
Vamos dar um salto de 30 anos no tempo, e fazer um apanhado geral no que temos disponível no mercado. Os aquários propriamente ditos seguem feitos aqui, embora hoje tenhamos opção de vidros melhores. Se for para uso de fibra de carbono, aí temos material 100% importado. Os principais filtros disponíveis são importados da China (um ou outro vem de EUA / Europa). Mesmo quem opta por sump ainda depende muitas vezes de bombas de recalque importadas (embora o custo como um todo acabe caindo bastante). Luminárias são majoritariamente feitas de LED, com alguns fabricantes nacionais que no entanto importam vários itens de matéria prima - mas tanto matéria prima como luminárias prontas vem principalmente da China. Substrato segue sendo em sua maioria de coleta / fabricação nacional, mesmo os férteis - embora haja algumas opções mais avançadas que vem de fora (como os ADA, do Japão). No terreno das rações, tivemos um boom de excelentes opções importadas nos últimos 20 anos, mas a indústria nacional reagiu com algumas excelentes opções (em especial Poytara e Nutricon) - mas muita gente ainda torce o nariz para elas, e acha que está comprando coisa muito melhor só por ser importada. O mesmo eu posso falar de testes e condicionadores: adoro os da API ou da Seachem, mas eu já migrei o máximo que eu pude para Base Flora, PowerFert e Biotec. Mesmo assim, esses produtos muitas vezes tem insumos que vem de fora. Ainda temos muitos peixes criados por aqui no país, mas hoje várias espécies muito queridas no hobby são importadas - inclusive por essas pisciculturas locais. Vários desses peixes eu só conhecia de livros e revistas nos anos 90, e hoje são relativamente comuns. Sem fazer muitas contas, eu concluo sem medo que hoje somos MUITO vulneráveis às oscilações do dólar.
E por que estou colocando luz nisso aqui? Primeiro porque foi uma ótima sugestão de pauta do Marquinhos, que sente na pele (e no iogurte das crianças) essas variações. Segundo porque só reforça meu pleito de que devemos valorizar os vendedores oficiais dos nossos produtos, pois comprar de “qualquer um” em função do preço mais baixo pode inviabilizar muita gente séria que trabalha no aquarismo, e assim matar nossa galinha dos ovos de ouro. E terceiro para termos em mente aonde podemos prestar atenção se for preciso se manter no aquarismo gastando menos. Uma dica que eu sempre dou é de prestar atenção nos desapegos: muita gente desiste do hobby por estar de mudança, estar sem tempo, etc e você encontra aquários completos por um preço bem mais baixo. Além disso, é possível montar aquários novos muito bonitos evitando ao máximo os produtos importados. Não fiz as contas, mas olha só : um aquário médio (60x40x40cm), filtro sump (a depender do espaço, pode ser um sump traseiro), luminária LED nacional (como as da Smartled), cascalho de rio de granularidade baixa (00 ou até mesmo 0), plantas de baixa demanda, condicionadores e aceleradores biológicos base flora, ração poytara, peixes comunitários mais comuns (paulistinhas, tetras, colisas, corydoras…). Deve sair bem em conta, e não demandar muita grana na manutenção.
Acho que esse mito do custo alto do aquarismo eu posso deixar para os marinhos ou plantados high tech. Pra os demais mitos, tenho ainda uma longa jornada - como a de que aquarismo dá muito trabalho (um dia eu consigo).
E aí, concorda com o meu ponto de vista? Quer fazer algum adendo? Deixe um comentário aqui e a gente troca uma ideia.